1: A Exposição e o Livro

Bárbara Fragalle
6 min readOct 6, 2020

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objetos editoriais, mídiuns, heterotopias

(montagem: MASP https://masp.org.br/exposicoes/tarsila-popular / IPSIS — https://www.ipsis.com.br/portfolio/tarsila-popular-masp/)

Minha ideia para este texto foi pensar naquelas publicações que são feitas a partir de uma exposição em um museu e refletir sobre a produção de valor cultural e simbólico relacionada ao mercado e ao ambiente que as envolve. Para isso, precisei antes refletir a respeito do que é uma exposição e do que é um livro e a maneira como esses objetos se relacionam com os termos dos quais nos utilizamos nas últimas aulas: os mídiuns de Debray e as heterotopias de Foucault.

Olhando para os mídiuns

O objeto de pesquisa do meu TCC foi um museu e sua exposição, e algo que sempre me deixou curiosa foi a produção e a circulação do livro que nasce da exposição. Na minha pesquisa compreendemos o museu e a exposição como mídiuns, conforme a concepção sobre midiologia estabelecida pelo filósofo francês Régis Debray (1995), que permite compreender o(s) homem(s) e sua(s) cultura(s) através da forma como ele(s) irá(ão) conduzi-la(s), disseminá-la(s), transmiti-la(s), se aprofundando nos procedimentos através dos quais a mensagem é feita, circula e é modificada pelas percepções dos interlocutores, pelo formato, pelo suporte e pela técnica. Olhar para esses suportes e meios é, portanto, crucial para entender a organização da sociedade e, especificamente, do público com o qual o museu dialoga através de seu discurso voltado para a criação de sua identidade e legitimação.

“O que se propõe […] é um olhar para a museu como mídium, ou seja, um objeto feito de uma materialidade que está inserido na sociedade — é um espaço cultural que faz parte de uma instituição, que propõe uma interação social e utiliza de mídiuns simbólicos de transmissão, como a exposição e seus textos, vídeos, objetos, documentos e fotografias, para a circulação de informações e reflexão a respeito de determinado tema.” (Trecho presente no meu TCC, acesso no site do COMUNICA)

Da mesma forma que pensamos o museu e sua exposição como mídiuns, pensamos também no livro como mídium: um objeto feito de uma materialidade muito conhecida e historicamente respeitada (o formato bibliomórfico do códice, no caso desta reflexão) que tem circulação na sociedade e que evoca determinadas comunidades e compreende todo um sistema mercadológico de circulação. Sendo assim, quero olhar para esse mídium em formato de livro, que é testemunha de um outro mídium, em formato de mostra, exibição e evento temporário.

Olhando para as heterotopias

Gostaria de relembrar aqui a definição de heterotopias, estudada por Michel Foucault — que as estabeleces como contraespaços, ou seja, lugares que existem e que se diferenciam dos outros pois afastam, neutralizam, purificam, de certo modo, a realidade (FOUCAULT, 2013). De acordo com o autor, é possível considerar os museus também como exemplos de heterotopia:

“De modo geral, em uma sociedade como a nossa, pode-se dizer que há heterotopias que são heterotopias do tempo, quando ele se acumula ao infinito: os museus e as bibliotecas, por exemplo […] Em contrapartida, a ideia de tudo acumular, a ideia de, em certo sentido, parar o tempo, ou antes, deixá-lo depositar-se ao infinito em certo espaço privilegiado, a ideia de constituir o arquivo geral de uma cultura, a vontade de encerrar todos os tempos em um lugar, todas as épocas, todas as formas e todos os gostos, a ideia de constituir um espaço de todos os tempos, como se este próprio espaço pudesse estar definitivamente fora do tempo, essa é uma ideia totalmente moderna: o museu e a biblioteca são heterotopias próprias a nossa cultura.” (FOUCAULT, 2013, p.25)

Pensando nos museus como essas heterotopias que encerram em si um tempo, uma época e uma temática num só lugar, proponho refletir que uma exposição pode ser considerada uma heterotopia dentro de uma heterotopia, uma vez que em um grande museu pode haver mais de uma exposição — com temas que conversam entre si ou não — e, assim, a curadoria de exposições seria a forma de pensar como constituir essas heterotopias, sendo ela:

“Mais do que a organização dos objetos, livros ou obras […] é a motivação de seu agrupamento como instrumento de mediação […]; a ordem que está por trás das exposições, aquela que norteia a montagem dos acervos, os agrupamentos das peças, sua sequência, distribuição e formas de exposição.” (FILHO, 2006, p. 2)

Não quero me demorar em pensar sobre o que é um museu e uma exposição, mas sim pensar nos livros que nascem das exposições museológicas, como catálogos e antologias. Se pensarmos na exposição como um objeto editorial — um objeto de valor cultural que se prepara para a vida pública ensejando uma interlocução — , entendemos o livro de exposição também como um objeto editorial que nasce de outro objeto editorial. Nessa passagem de um mídium para outro, passa a experiência física de presenciar uma exposição e passear por um espaço cultural para a experiência da leitura e de toda a experiência física do livro — que evoca toda uma história da relação do homem com esse objeto. O que me importa é refletir sobre o que está em jogo nessa remidiatização. O que é esse livro de exposição?

Na prática, o trabalho e a receptividade

Num passeio pela internet verifiquei que nos grandes museus os departamentos de edição e publicação estão atrelados aos departamentos de produção de exposição e curadoria, sendo possível notar a proximidade dessas duas atividades, afinal, ambos são objetos muito parecidos no que diz respeito ao conteúdo — um nasce a partir do outro.

Em 2019, o Instituto Oi Futuro e Consumoteca desenvolveram uma pesquisa sobre museus, chamada “Museus, narrativas para o futuro”, que estudou a receptividade dos diferentes públicos brasileiros em relação aos museus, com objetivo de possibilitar a reconstrução da identidade dos museus brasileiros.

(Instituto Oi Futuro e Consumoteca: https://oifuturo.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Oi-Futuro-e-Consumoteca-Pesquisa-Museus-2019-DOWNLOAD.pdf)

Uma das diversas ocorrências que a pesquisa constata é que as pessoas gostam de ver objetos de ordem visual, de rápida adoração e rápido envolvimento nesses espaços de cultura. Existe, e assim reflito também na minha pesquisa, uma superioridade midiológica da imagem (considerando imagem todos esses elementos de envolvimento visual mais rápido) em relação ao texto verbal, que deve ser lido, absorvido, interpretado. Poucas são as pessoas que leem os textos curatoriais presentes nas exposições — porque os indivíduos vão a determinada exposição uma vez na vida, por um dia, em determinado horário (apenas os realmente interessados e empenhados passam dias visitando o mesmo museu para poder conhecê-lo inteiramente); os públicos querem conhecer o máximo de objetos possível em uma única visita e ler é uma ação que pede mais tempo.

Então, qual é a função dos textos nesses espaços? Os textos estão, de alguma forma, sempre presentes nas exposições para informar tecnicamente a quem interessar, explicar àqueles que não compreenderam o conceito de determinados objetos, imagens, quadros ou fotografias e revelam também a pesquisa desenvolvida por trás da produção — estão lá, mesmo que pouco buscados pelos visitantes.

O que me leva a refletir: se a exposição é lugar dos quadros, ossadas, fotografias e vídeos, seriam os livros necessariamente espaços que priorizam e dão mais propriedade ao texto? Que tipo de produção de valor um livro de exposição agrega?

Continua em: https://medium.com/@fragallebarbara/2-e-os-livros-de-exposi%C3%A7%C3%A3o-3d6189a6951

***(Reflexões sobre a disciplina Literatura e Mercado Editorial, do PPGLIT/PPGL UFSCar, 2020)

Referências:

DEBRAY, R. Manifestos midiológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

FILHO, D. L. O museu como um espaço relacional. Disponível em: http://enancib.ibict.br/index.php/enancib/viienancib/paper/viewFile/2480/1611. Acesso em outubro de 2020.

FOUCAULT, M. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: N-1, 2013. pp. 7–56.

SILVEIRA, P. A. Identidades e poderes do catálogo de exposição. Disponível em: http://www.cbha.art.br/coloquios/2004/anais/textos/87_paulo_silveira.pdf. Acesso em outubro de 2020.

Links:

https://oifuturo.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Oi-Futuro-e-Consumoteca-Pesquisa-Museus-2019-DOWNLOAD.pdf

https://vejasp.abril.com.br/cultura-lazer/masp-inaugura-loja-design-artesanato/

https://bibliotecadaeca.wordpress.com/2017/12/18/catalogos-de-exposicao/#:~:text=Tem%20uma%20apresenta%C3%A7%C3%A3o%20mais%20ou,entre%20outras%20informa%C3%A7%C3%B5es%20nas%20legendas.

https://masp.org.br/arte-e-descolonizacao

https://masp.org.br/exposicoes/tarsila-popular

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Bárbara Fragalle

Formada em Letras, sempre atrás de estudar e entender as práticas de escritas profissionais e os meios por onde elas operam e circulam